A HEGEMONIA DO DOLAR E O PROTECIONISMO NORTE AMERICANO: IMPACTOS NO BRASIL E EM MS

Postado por: MARIA FERNANDA SANTOS CARVALHO

A elevação arbitrária e desproporcional das tarifas de importação por parte do governo norte-americano para com o Brasil, além de um resgate precipitado das ideias mercantilistas e da Escola Histórica Alemã, coloca em pauta duas discussões economicamente relevantes. Primeiro, a gradual queda da hegemonia do dólar como padrão monetário internacional e, segundo, os impactos a economia brasileira e ao Mato Grosso do Sul. 

De modo sucinto e introdutório, é de conhecimento geral que o dólar é a moeda mundialmente aceita para as transações comerciais há décadas. Entretanto, foi por meio do acordo de Bretton Woods (1944) que a moeda norte americana passou a ter mais força. À época ficou estabelecido que as transações econômicas internacionais seriam estabelecidas em dólar, tendo uma conversibilidade em ouro (padrão ouro-dólar). Tal modelo entrou em colapso na década de 1970, momento em que tal conversibilidade não foi mais garantida pelo governo norte americano. Naquele momento, o então secretário do Tesouro dos EUA, John Connally, disse: “O dólar é a nossa moeda, mas é o seu problema.”

Diante do colapso do modelo, o déficit norte americano passou a ser financiado pelos demais países por meio da aceitação do dólar como moeda internacional.  Em resumo, os Estados Unidos financiavam seu déficit externo com a emissão de moeda, vigorando o modelo “dólar pelo dólar”, lastreado nos títulos do tesouro americano.  Para os Estados Unidos, manter um déficit externo era vantajoso, pois ao mesmo tempo em que consumia os bens do resto do mundo, reforçavam a aceitação do dólar mundialmente. Desde o fim da segunda Guerra Mundial (II GM), são 80 anos (1945-2025) de domínio do dólar. Com a expansão dos BRICS e o fortalecimento de outros blocos econômicos, novas moedas de troca poderão surgir, pondo em risco a hegemonia do dólar como padrão mundial. 

A provável queda lenta e gradual da hegemonia do dólar dificultará a política de emissão monetária para o financiamento do déficit externo norte-americano. É aí que está a discussão! 

Sabendo dos riscos, o governo norte-americano reage através de uma política pouco estruturada ou articulada de tarifação desproporcional, de cunho protecionista e discutíveis do ponto de vista prático. A diminuição da hegemonia do dólar está ocorrendo e aparentemente não há o que fazer para impedir, sendo uma tendência mundial a redução do número de moedas, vide o exemplo da zona do euro.

Não obstante a estas questões macroeconômicas mundiais, a taxação em 50% sobre os produtos exportados pelo Brasil possui uma motivação política, pois não há explicação econômica plausível para tal taxação pelos seguintes motivos:

  1. Primeiro, os Estados Unidos não possuem déficit comercial com o Brasil para justificar uma tarifa protecionista tão elevada e a todos os setores (sem qualquer critério específico e setorial);
  2. Não há pressão interna dos produtores norte americanos que justifique tal tributação ou indícios claros de uma guerra comercial ou de setores norte-americanos prejudicados pelas exportações brasileiras;
  3. Via de regra, os norte-americanos importam produtos que não produzem internamente de forma suficiente para atenderem a sua demanda.
  4. A taxação prejudicará também a economia norte-americana, pois serão eles que pagarão a taxa, caso importem do Brasil, ou seja, provocarão inflação.

De modo complementar, além de injustificada, a taxação desproporcional prejudicará os setores exportadores do Brasil, pois encontrar novos mercados, seja internamente ou externamente, exigem um tempo maior, o que não é o caso. De modo geral, economicamente falando não há vencedores nesta disputa comercial. Para o Brasil o caminho mais adequado é a diplomacia e eventualmente acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Repetir a política norte-americana como forma de retaliação só traria uma ampliação da guerra comercial e um aumento da inflação internamente, além do descontentamento dos setores importadores do Brasil.

Para o caso específico de Mato Grosso do Sul, os segmentos que exportam aos Estados Unidos tenderão a sofrer mais no curto prazo, dado a necessidade de redistribuição dos produtos, seja via mercado interno ou externo, dentre outros desafios. No longo prazo, caso a tarifação continue, novos investimentos precisarão ser revistos e a busca de outros mercados será uma necessidade. Caso o estado de Mato Grosso do Sul dependesse mais da economia norte americana, certamente os efeitos negativos seriam muito maiores.

De modo geral, o aprendizado que fica é sobre a necessidade de sempre diversificar a pauta das exportações, ampliar o número de países ou de destinos, agregar valor aos bens exportados, ampliar o número de empresas exportadoras e sempre recorrer a diplomacia nos casos mais críticos. Nesse contexto, a abertura dos mercados no Vietnã e Japão surgem como alternativas e exemplos interessantes a economia brasileira no sentido de mitigar o risco e a vulnerabilidade externa.

 A história econômica brasileira mostra que ser refém de poucos produtos exportáveis, de baixo valor agregado e para poucos países/parceiros comerciais não é um bom caminho, vide a história do café na economia brasileira. 

Por fim, a história econômica novamente nos ensina que a adoção das políticas mais liberais ou mais intervencionistas não são adotadas com base em convicções ideológicas ou em coerências, mas adaptadas aos contextos que forem mais lucrativos.

REFERÊNCIAS 

EICHENGREEN, Barry. A globalização do capital: uma história do sistema monetário internacional. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

HUDSON, Michael. Superimperialismo: a origem e os fundamentos econômicos da hegemonia dos EUA. São Paulo: Boitempo, 2023.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). Relatório sobre o comércio mundial 2023: reformas, resiliência e a nova geoeconomia. Genebra: OMC, 2023. Disponível em: https://www.wto.org/. Acesso em: 15 jul. 2025.

Texto elaborado por: Prof. Dr. Odirlei Fernando Dal Moro. Curso de Ciências Econômicas – UFMS.

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