O que a taxa de câmbio tem a ver com você?
O câmbio está presente em diversos aspectos da vida de praticamente todas as pessoas, e pode ser definido pela relação de preços entre a moeda de um determinado país em termos de outras moedas como, por exemplo, o dólar, o euro, o marco e o iene. Uma forma simples de ver essa relação está na própria demonstração da taxa de câmbio, em que o “preço” de uma moeda estrangeira é dado em termos da moeda local.
O câmbio, ou seja, preço de moedas estrangeiras, afeta o preço de diversas mercadorias tais como pães, cujo a matéria-prima básica – o trigo – é majoritariamente importado da Argentina, insumos farmacológicos, como o IFA, importado da China, de suma importância para a produção de vacinas para o enfrentamento da crise de saúde decorrente da Covid-19, e petróleo, para a produção de seus derivados, com vistas a atender a demanda nacional por combustíveis. Além disso, o câmbio pode impactar o preço do vestuário, dos móveis e de basicamente todos os produtos consumidos em território nacional, sendo seus efeitos mais claramente sentidos sobre os preços dos produtos importados, cujo valor, em termos da moeda nacional, varia conforme ocorre variações (apreciação, ou depreciação) na taxa de câmbio. O impacto da variação do câmbio se faz sentir pela forma globalizada de comercialização de bens através do comércio internacional o que implica, por decorrência, a necessidade de se intercambiar moedas entre países. Esse processo só é possível porque as taxas de câmbio permitem converter o preço de bens locais em moedas estrangeiras, ou vice-versa, possibilitando as transações de mercadorias no comércio internacional.
Muitos países têm moedas próprias, como o Brasil com o real, ou moedas comuns com demais países, como a União Europeia com o euro, mas, mesmo entre tantas moedas, uma se destaca no cenário global, dado o volume de transações que é efetuado tendo-a como unidade de conta e valor: o dólar. Por se constituir na principal moeda nas relações econômicas internacionais, isso possibilitou ao dólar consolidar-se historicamente como padrão monetário internacional, garantindo aos EUA o benefício de ser seu emissor e, em decorrência, não ter a necessidade de manter reservas internacionais e, além disso, financiar seus déficits (fiscal e externo) através da emissão de moeda.
Para melhor compreensão sobre como o dólar tornou-se padrão monetário internacional voltaremos a história, pois trata-se de uma herança do acordo de Bretton Woods. Este foi firmado em julho de 1944 por diversos países, no qual se estabeleceu o padrão dólar-ouro, com o dólar atrelado ao ouro e a demais moedas mantendo uma paridade relativamente estável em relação ao dólar. Esse arranjo cambial relativamente estável contribuiu para a recuperação a recuperação econômica de diversas economias no pós Segunda Guerra Mundial, além de ser de fundamental importância para consolidar e garantir a ascensão do dólar como moeda “padrão” no comércio internacional.
Antes de Bretton Woods, muitos países tinham suas moedas lastreadas em ouro como forma de garantir seu valor. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, muitos países encontraram dificuldades para a manutenção dessa conversibilidade, dando origem, no pós-guerra, ao acordo responsável por reestruturar o sistema financeiro internacional. Em síntese, o acordo de Bretton Woods definiu que cada país buscaria manter sua taxa de câmbio relativamente ancorada ao dólar, com margem de variação de cerca de 1%, sendo que a moeda norte-americana ficaria lastreada ao ouro em um valor fixo. Assim, o dólar passava a ser o lastro de diversas moedas ao redor do mundo, o que promoveu a hegemonia da moeda estadunidense, que é vigente até hoje, mesmo após 50 anos do fim do acordo.
Figura 1 – Variação do Câmbio Nominal Dólar/Real

Fonte: Banco Central do Brasil, 2021.
Isso nos remete a uma questão importante: o que faz o valor do dólar subir ou descer em termos das outras moedas? Numa perspectiva global, certas movimentações acabam por afetar o dólar; entre outras, as principais são as relativas à definição da política monetária da economia estadunidense, as políticas monetária e cambial dos demais países assim como também o fluxo de recursos financeiros que é movimentado nos mercados financeiros internacionais.
No que tange à política monetária implementada pelo banco central norte-americano (Federal Reserve), está foi até recentemente caracterizada por um longo período expansionista – feito, principalmente, através de Quantitative Easing -, mas dada suas implicações sobre a inflação nos EUA, foi desacelerada. Essa intenção contracionista sinalizada pelo FED foi amplamente debatida ao redor do mundo, posto que um de seus efeitos seria o aumento da taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana, tornando as praças financeiras daquele país mais atrativas ao capital especulativo internacional, tendo como resultado a elevação do dólar. A simples sugestão dessa mudança na política monetária norte-americana foi capaz de mudar as expectativas dos agentes econômicos, levando a um aumento global no valor da moeda a partir da segunda metade de 2021. Esse aumento, além de ser fruto das mudanças de expectativas, é também resultado da maior compra de títulos do tesouro americano, levando a uma redução de dólares em circulação.
Essas expectativas, todavia, não se concretizaram. Em matéria escrita no G1 por Presse (2021) “o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) continuará com a política de estímulos até que a economia se recupere plenamente da recessão”, declaração essa que levou a uma nova desvalorização da moeda.
Fora a política monetária e as condições macroeconômicas da economia americana, o câmbio varia, de uma perspectiva brasileira, pela quantidade de moeda que entra no país, sendo que essa quantidade flutua em razão de vários fatores tais como os fluxos relativos às transações correntes do Balanço de Pagamentos, os investimentos estrangeiros diretos e os fluxos de capital especulativo, mas a principal delas é, atualmente, a relação de risco ao se investir no Brasil.
Ao aportar seus capitais no país, na compra de títulos nas forma de investimentos estrangeiros diretos, investidores estrangeiros buscam pautar suas decisões pautados pela relação entre risco e rentabilidade. A rentabilidade é resultante da política monetária que define a taxa de juros (SELIC) que remunera os títulos da dívida pública; já os riscos são contabilizados de diversas formas, geralmente sendo estabelecido pela análise das condições macroeconômicas, políticas e sociais do país.
Nesse sentido, pode-se considerar a estabilidade institucional, fundamentada no funcionamento das diversas instituições, assim como os diversos conflitos de interesses e a forma como estes se desenvolvem, como os principais fatores que podem afetar a percepção de risco dos investidores, condicionando, desse modo, os fluxos de capitais entre países e, por decorrência, a taxa de câmbio, definindo assim o preço do dólar em termos da moeda local. Dessa forma, eventos que possam afetar a percepção de risco, que não necessariamente se restringe a fenômenos econômicos, tais como desastres naturais, ascensões de novos governantes que acentuam perspectivas de mudanças na política econômica, e até mesmo mudanças climáticas e ambientais podem indiretamente afetar o câmbio indiretamente e o valor do dólar.
Assim, grandes flutuações da moeda americana podem ser vistas quando essas condições melhoram ou pioram. De modo prático, um elevado endividamento público pode afastar investidores pelo medo de inadimplência, ou por receio de mudanças na política cambial, levando a flutuações do valor do real frente ao dólar; em contrapartida, um governo que promove mudanças estruturais, bem como uma economia sólida, do ponto de vista de seus macrofundamentos, pode contribuir para atrair investidores que contam com segurança quanto aos rendimentos proporcionados pelos seus investimentos.
Cabe ressaltar ainda os impactos sobre o valor do dólar que decorrem de uma crise provocada por pandemia, como a Covid-19, que além de ser uma fonte de incertezas que repercutem na cotação do dólar também é fator determinante da contração da atividade econômica global, pelos seus efeitos desestabilização e desestruturação das cadeias globais de valor, que são altamente dependentes da coordenação da produção e do transporte internacional. No contexto geral, a pandemia foi responsável por uma série de desequilíbrios que, por serem de natureza não econômica, não poderiam ser facilmente ajustados por políticas dessa natureza, o que leva à uma dinâmica curiosa: o choque externo e de longa duração leva a desequilíbrios; estes, por sua vez, leva a políticas macroeconômicas que visem minimizar seus impactos. No entanto, a manutenção dessas políticas por longos períodos leva a novos desequilíbrios, esse é o caso da inflação americana, que requer adoção de medidas que tem repercussões sobre o câmbio e o valor do dólar.
De toda forma, o dólar é uma das principais variáveis econômicas sobre a qual devemos nos manter informados, não só sobre sua variação diária com o objetivo de se identificar tendências de alta ou baixa, mas também sobre suas estruturas, como a política monetária dos EUA e do Brasil, assim como também nos mantermos informados quanto às condições políticas e sociais prevalecentes em cada país, os movimentos de investidores nos mercados financeiros internacionais e as notícias que causam grandes impactos no cenário internacional.
REFERÊNCIAS
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PEREIRA, Vinícius. Falta de chips afeta o mundo todo – e Brasil importa 90% do que consome. CNN Brasil, 09/05/2021. Business. Disponível em: Falta de chips afeta o mundo todo -e Brasil importa 90% do que consome (cnnbrasil.com.br). Acesso em: 26/10/2021.
PIB dos EUA sobe 6,5% no 2º trimestre de 2021 e volta ao nível pré-pandemia. Poder360, 29/07/2021. Disponível em: PIB dos EUA sobe 6,5% no 2º trimestre de 2021 e volta ao nível pré-pandemia | Poder360. Acesso em: 27/10/2021.
Texto: Matheus Henrique Zonta
Profa. Dra. Luciane Carvalho
Prof. Dr. Carlos Roberto Gabriani

